Diário

Hoje, no acostamento, sentado nessa pedra de gelo que é a noite, enquanto fingia estar sendo observado ao mesmo tempo que via a cidade dormir por de trás da fumaça do cigarro, percebi, mais uma vez, daquele mesmo jeito natural, porém surreal, das outras vezes, que dispensam as palavras  apenas porquê não existem palavras pra descrevê-lo, que a vida é feita de detalhes tão simples e pequenos que beiram o ridículo, mas que, juntos, moldam grandes momentos. Estava realmente pronto para viver intensamente esta noite, mas voltei pra casa e dormi; amanhã é outro dia, e espero ansiosamente (só eu sei como espero ansiosamente por isso) que eu acorde tão lúcido quanto estava ao dormir, sobre a forma com que o acaso escreve essa nossa pequena frase, que é a nossa vida, e sabe encaixá-la da forma mais poética possível nesse texto maior que ninguém, nunca, lerá.
O Apego

Não se luta mais por sobrevivência nessa nossa realidade, essa realidade de quem pode ficar em casa, numa cadeira, escrevendo ou lendo blogs. Nenhum de nós irá morrer de fome, ou de frio, ou algo desse tipo; claro que nada se generaliza, mas você sabe do que eu estou falando. Nossa luta é psicológica, nossa luta ó contra o ócio, contra o tédio, além disso lutamos, apenas, para termos alguns luxos na vida. Lutamos para ter grana, não se pode negar. Somos uns putos, dependentes de dinheiro, viciados em comprar tudo, e depois nos viciamos naquilo que compramos. É claro que não é no "dinheiro" que pensamos, mas sim em uma coisa que se tornou sinônimo de dinheiro: Segurança. Afinal morremos de medo de nós mesmos, morremos de medo que as pessoas não nos vejam com bons olhos, então compramos merdas inúteis para saciar nossa falta de segurança, auto-afirmação, e amor. Afinal, como li ontem em algum lugar que vale a pena ler, "A gente sempre pode confiar num escorredor ou num fogão de quatro bocas ou num pano de prato, eles são absolutamente incapazes de sacanear a gente. Essa lealdade das coisas sem vida realmente me enternece profundamente, é mesmo um negócio comovente, dá vontade de chorar. O amor deve ser mais ou menos isso." E assim a gente se apega as coisas, cada vez mais. Temos medo de nos apegar as pessoas, porque, geralmente, depositamos uma boa parcela de confiança naquilo que nos apegamos. Se você coloca uma garrafa de vodka na geladeira, você pode sair de casa, numa boa, e nem sequer pensar na porcaria da garrafa, porque você confia profundamente na sua geladeira, e sabe que, quando voltar pra casa e abrir a geladeira, uma luz se acenderá e sua garrafa de vodka estará lá, gelada, esperando que você a beba. Uma geladeira não pode sacanear você, uma pessoa sim. Mas isso não tem nada haver com amor.